PRECONCEITO LITERÁRIO (parte 2)

Parece que novamente o assunto que veio à baila, ao menos no meio literário/editorial (pois é um tema que sempre volta) é a questão: o que efetivamente é literatura? Isso devido a uma colocação, para não dizer crítica, completamente sem fundamento, da autora Ruth Rocha.

Se você estava em alguma viagem interestelar, visitando Hogwards, na Terra do Nunca ou quem sabe no País das Maravilhas e caiu de paraquedas no assunto, numa entrevista a autora declarou sobre histórias de fantasia, com a presença de vampiros e bruxas que “Isto não é literatura, isto é uma bobagem. É moda, vai passar.” Fica a questão então: “o que é literatura”?

É engraçado que, do alto de seus pedestais, profissionais do livro vez por outra soltam uma crítica relativa a algum gênero literário chamando-o de subliteratura ou baixa literatura. O alvo preferido, evidentemente, são livros que venderam mais do que o da pessoa (aka. bestsellers).

Agora, como autor e editor eu sempre me questiono não “o que é um bestseller”, mas se algum autor quando começa um projeto literário considera: “acho que eu vou escrever um bestseller”, como se isso fosse um gênero literário.

Porque as críticas são sempre as mesmas, e o livro é sempre o bestseller da vez. E as razões são sempre as mesmas: “eles não agregam”, “eles não representam a época em que fizeram sucesso”, “são rasos” ou o melhor “eles não dizem ao que vêm”.

Agora, o que vem a ser “não dizer ao que veio”? Porque há muito tempo, quando o dito Harry Potter foi lançado, eu lembro que ter visto crianças, na praia, fazendo fila para ler o livro, e já na época eu defendia, e ainda defendo que qualquer livro que traga novos leitores é uma boa coisa.

O “não representar sua época” então é pior ainda, porque dos clássicos se diz exatamente que “são eternos”, ou seja…

E depois, tendo em vista que todo escritor coloca em sua obra a época em que ele está vivendo, pois não pode escrever a respeito do que não conhece e do que não viveu, dizer que o livro não tem representação de uma época é dizer nas entrelinhas que você não analisou a trama, o universo e os personagens com a devida profundidade.

Mesmo Shakespear, que é o grande ponto de comparação, escrevia diversas versões de suas peças, sendo as apresentadas à nobreza tinham um foco, enquanto as apresentadas no The Globe Theatre, para o povo, tinham outro. Ele era o “bestseller” da época!

De JK Rowling a JRR Martin, passando por Dan Brown e as vezes até Tolkien, a impressão que se tem é que existe um preconceito contra qualquer um que faça sucesso, não importando na verdade o que ele diga. É como se o escritor real fosse aquele que vive na miséria, morre de fome só para fazer sucesso depois que faleceu. Literatura, afinal de contas, “é arte”.

Todo esse falatório, inclusive, me recorda de uma entrevista com o diretor Ridley Scott após o sucesso do primeiro filme dO Senhor dos Anéis. Na época (2001) o entrevistador questionou se ele não estava feliz porque seu filme A Lenda, de 1985, que originalmente havia tido pouca repercussão, com a explosão repentina do gênero, agora era um dos mais procurados para locação.

Ele respondeu que, apesar de ser muito bom ver que estava à frente de sua época, teria sido melhor para sua carreira se o público tivesse gostado do filme no lançamento, pois para ele, como diretor teria sido melhor.

Ou seja, escrever, como esculpir, cantar, dirigir ou atuar num filme, pode até ser uma arte, mas o livro, como suas contrapartes artísticas, é um produto. E para que o escritor sobreviva ele deve vender.

Inclusive, é engraçado que as mesmas pessoas que critiquem bestsellers não façam o mesmo com outros artistas. Estes podem fazer sucesso e viver de seu trabalho, já o escritor…

Finalmente, sobre o fato de histórias de fantasia, com a presença de magos, vampiros e bruxas serem “uma bobagem, moda, vai passar,” eu gostaria de lembrar que não só essas histórias existem na mitologia a milhares de anos, como Tolkien foi considerado o melhor escritor do século XX, sendo que sua obra começou a ser lançada (O Hobbit) em 1937, ou seja, quase um século atrás.

Moda demorada essa, não é verdade? Sem contar que diversos psicólogos consideram o gênero fantástico de uma maneira geral, desde o cinema até a literatura, como a mitologia de nossa época. Algo bem mais profundo do que análises rasas, como no caso a feita pela Ruth Rocha, efetivamente apresentam.

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