Um pouco mais sobre a falência da Livraria Cultura

Apesar a decisão de falência ter sido, ao menos temporariamente, revogada, a situação de fechamento da Livraria Cultura foi algo que caiu como uma bomba no mercado editorial. Na realidade não só no meio literário, mas de uma maneira geral, pois tem muita gente aproveitando o fato para tirar uma casquinha (do mesmo modo que está acontecendo com a questão do ChatGPT).

Eu acho interessante é que muitas vezes são pessoas que nada têm a ver com o mercado editorial, não sabem como o mesmo funciona e agora ficam arrogando, a altos brados, que a falência da Livraria Cultura é uma amostra da decadência cultural do brasileiro. E pessoalmente eu creio que isso é de uma HIPOCRISIA sem tamanho.

Primeiro, porque eles não estão reclamando efetivamente da falência da Livraria Cultura, mas sim do fechamento da unidade da Avenida Paulista, considerada praticamente um ponto turístico da cidade. E eu digo isso, pois no último ano eu visitei dois shoppings que possuíam lojas da Cultura e ambas haviam fechado e NINGUÉM falou nada a respeito.

E é claro que nada comentaram. O que é uma loja a mais ou a menos num shopping? Diversas Saraivas fecharam e ninguém bradou nada sobre isso ser “decadência cultural do brasileiro.”

Como eu disse para um amigo, “vai sentir falta de uma livraria tradicional na Avenida Paulista? Sem problemas! A algumas quadras de onde era a Livraria Cultura tem uma loja da Livraria Martins Fontes, que também está lá há mais de 30 anos, tem pilhas e pilhas de livros distribuídos em dois andares de livraria, lugar para os clientes sentarem e mesmo um café, ou seja…

Até porque eu creio que aqui temos algumas questões:

Primeiro, OK! Realmente é uma pena que a livraria tenha fechado. Ela era mesmo um ponto turístico na Avenida Paulista, mas… Qual foi a última vez que você efetivamente foi lá? E mais importante, comprou alguma coisa? Porque para a livraria sobreviver, ela precisa vender.

Eu sei que muita gente vai dizer que atualmente comprar online é mais simples e mais barato, mas… se esse é o caso, qual o problema? Onde está a tal “decadência cultural do brasileiro”?
Até porque na falta de uma rede de livrarias, ainda temos inúmeras bibliotecas circulantes na cidade, locais em que se pode tomar livros emprestados para ler de graça!

E fica a questão: qual foi a última vez que você visitou uma delas?

Ou seja, percebe a hipocrisia? Porque se você falar que “biblioteca é coisa de pobre.” Além de hipócrita, você PRECONCEITUOSO!

Segundo, e voltando a questão do preço do livro se mais barato online, temos a questão de a Livraria Cultura não ter conseguido se adaptar aos tempos atuais, ao livro digital e à chegada da Amazon ao Brasil.


Eu me recordo que vinte anos atrás, eu conhecia e era até amigo de alguns vendedores da Livraria Cultura. E como tinha meu cadastro, sempre que chegava um livro de um gênero que eu gostava, eles me ligavam ou mandavam um e-mail comentando a respeito. Era uma época de profissionais que liam, conheciam o mercado, davam dicas e se importavam com os clientes. O que aconteceu com eles? Foram trocados por vendedores mais novos, que custavam menos à livraria!

Essa questão me faz lembrar de dois acontecimentos que eu fiquei sabendo sobre a Livraria Cultura. Um dia um amigo que trabalhava na Saraiva comentou que o primo dele, que trabalhava na Cultura, contou que os vendedores de uma loja estavam insatisfeitos com a porcentagem de vendas que recebiam da loja, pois percebiam que a quantidade de clientes continuava a mesma, mas os valores haviam diminuído. Tal reclamação tomou tal dimensão que o próprio Pedro Herz (que dizem ser um cavalo batizado no tratamento de funcionários, ou seja, um CHEFE TÓXICO), fez uma reunião na loja e, ao ouvir que os vendedores queriam acesso aos números de loja, disse que não, pois não confiava neles. Quando ele ouviu a resposta de que “se era assim, por que eles tinham que confiar nele”, sua resposta foi “Para quem não está satisfeito, a porta é a serventia da loja.” Segundo meu amigo, dois vendedores se levantaram naquele momento e pediram as contas.  

E eu me lembro que menos de um ano depois de haver ouvido essa narrativa, um blogue soltou uma notícia que abalou a Livraria Cultura, dizendo que algum tempo antes não só todos os vendedores da unidade da Paulista haviam pedido demissão no mesmo dia (AMBIENTE DE TRABALHO TÓXICO?), como, tendo em vista que a livraria pediu um tempo para que eles contratassem gente nova e os vendedores aceitaram, durante o tempo que eles ficaram, eles sofreram diversos casos ASSÉDIO MORAL.


Eu sei que não posso confirmar tais narrativas, mas quando percebemos na constância das mesmas, notamos que houve sim uma causa por trás dessa falência.

Na realidade, como editor que fui, eu vi diversos movimentos da Livraria Cultura que depois se mostraram um erro.

Por exemplo, ao invés de buscar parcerias, eles resolveram ir contra o sistema e lançar seu próprio leitor de e-book, o Kobo.

Eles deixaram de fazer parcerias com as editoras e passaram a cobrar em dinheiro pelos melhores os espaços de divulgação das lojas, como pontas de gondola, espaço na revista e mesmo colocação de livros nas vitrines. Não e que antes esses espaços não eram cobrados, mas eles aceitavam o pagamento em livros.

E um caso que eu me recordo que me deixou abismado. Um dia, num início de ano, o retorno de uma das distribuidoras da editora havia sido maior do que o esperado. Curioso, eu resolvi ligar para saber o que havia acontecido, pois não havia notado um movimento no mercado maior do que o normal para o natal. Eles comentaram que naquele ano eles havia resolvido pedir todos os livros que haviam sido consignados por todas as livrarias. Como achei aquela ação um tanto ilógica, eu resolvi perguntar a razão deles fazerem isso. A resposta foi “Porque muitas vezes as grandes redes de livrarias vendem exemplares, mas como têm muitos em estoque, ao invés de pagarem as distribuidoras e livrarias, elas seguram os pagamentos até estarem precisando do livro, ficando assim com o dinheiro das vendas por muito mais tempo do que o que deveriam.”

E tem mais, porque recentemente uma amiga comentou e eu fui à livraria. O que eles estavam vendendo? Havaianas… Coisas para cachorro… Vinho…

Agora, quando você pensa em comprar um par de sandálias Havaianas, alguma coisa para seu cachorro, uma boa garrafa de vinho, você pensa em ir na LIVRARIA Cultura ou em algum outro lugar, como o mercado, a Cobasi ou Petz?

Ou seja, se a Livraria Cultura faliu ou entrou em recuperação judicial, isso nada teve a ver com a “decadência cultural do brasileiro”, mas sim com uma incapacidade gerencial e falta de visão (e não vamos esquecer o ambiente tóxico) dela mesma. E olha que eu sei de muitos outros casos além dos que mencionei.

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